Ruas Solitárias

Ruas Solitárias

As ruas estão molhadas. Observo o céu, onde há pouco caia uma espessa chuva. As nuvens negras estão lá e ficarão por muito tempo ainda. Vejo a água tóxica escorrer para o esgoto. Alguns ratos correm na beirada da calçada.

            Poucas pessoas caminham por esta rua escura. Todos encaram o chão e andam apressadamente. O medo envolve este povo oprimido. Pergunto-me se no passado as coisas eram diferentes. Gosto de pensar que sim.

            Pendurado acima dos postes esta a foto do Imperador. É ele que comanda tudo nesta cidade. Meus avós costumavam me contar várias histórias sobre a Família Real. Eles viveram a época em que a guerra ainda dominava o mundo. Em geral, tudo se resumia a uma disputa ideológica. Anos de falsas promessas e hipocrisia.

            Um carro passa velozmente pelo asfalto, jogando água em todos que estão na calçada. Alguns xingam, outros nem reagem. Eu, particularmente, não me incomodo com isso. Já estamos envenenados. De que adianta fugir deste líquido tóxico?

            Viro a esquina, encarando o pequeno posto policial. Em todas as ruas há policiais de guarda. Porém, eles não estão aqui para nos proteger, mas sim para espiar a todos, tomar conta do povo. Não é permitido falar mal da Família Real, muito menos do Sistema. Punições severas e cruéis é o preço da língua afiada.

            O individualismo reina aqui. Alguns conceitos morais não existem mais. Aqui, a mãe delata o próprio filho. Todas as regras daqui foram feitas para o benefício dos poderosos. Só o que resta para nós – os fracos –, é o trabalho pesado e as noites de festa.

            O sexo e as drogas viraram uma válvula de escape. Muitos trabalham somente para comer, beber e transar. Os inteligentes são os que mais sofrem. Se não morrem cedo, defendendo uma visão política e econômica diferente, são forçados a trabalharem para o Sistema. Não há descanso para ninguém.

            Ninguém sabe ao certo quem são os poderosos. Sabemos que a Família Real é apenas uma fachada, uma ilusão. Eles também são prisioneiros do Sistema. O mundo inteiro está vivendo uma fantasia. Os que estão lá fora, querem entrar na cidade. Os que estão aqui dentro, querem sair da cidade. Não há mais lugar seguro no planeta.

            — Me dá um trocado, senhor... – implora um mendigo.

            — Sai daqui! – exclamo.

            O velho se retrai ao chão. Não posso fazer nada, ninguém me ajudaria se estivesse na mesma situação. Como eu comentei, o egoísmo prevalece aqui.

            — Ele está incomodando o senhor? – pergunta-me um policial.

            — Não, deixe-o.

            — Tudo bem. Mas ficarei de olho em você, seu bosta – diz ele, olhando ameaçadoramente para o miserável.

            Continuo a minha caminhada. Posso ver o prédio em que moro daqui. Todas as luzes estão acessas. Não existe noite ou dia aqui, a todo o tempo os postes e as vitrines estão acessas. As lojas não fecham, o dinheiro nunca para de ser usado.

            Viro mais uma esquina. A escuridão desta rua não me intimida. Os únicos lugares perigosos desta cidade são os becos. Lá vivem os piores tipos de seres humanos. Não me atrevo a chegar perto da entrada de um. Já vi coisas horríveis nas televisões. A mídia é dura e fria, mostra toda a realidade ao qual vivemos e envenena a nossa mente.

            Meu celular toca.

            — Oi. Sim, eu irei à boate mais tarde. Hahaha, pode deixar que eu falo com ela. Ela é uma puta, vai aceitar passar a noite contigo. Está certo, ligo para você mais tarde.

            Desligo. Eu tenho que admitir, num mundo desses, é difícil alguém possuir algum caráter. A religião daqui é uma farsa, usada para controlar a parte burra da população. Por isso o material é algo tão valorizado. A nossa casa é o nosso único santuário.

            Paro diante meu edifício. Um verdadeiro colosso que possui mais de cem andares. Dou uma última olhada para trás. Aqui fora, somos todos descartáveis, a tristeza reina nas ruas. Ninguém olha para ninguém. O mundo já está condenado à solidão. Viro-me e entro no prédio, tenho que me preparar para mais uma noite de pecados carnais.

 

- Fim -

Fabio D'Oliveira