A vida de Aline nunca mais seria a mesma depois daquela noite. Sentada em um banco, no gigantesco jardim de rosas, a jovem garota lia um livro. Era um romance, uma história sobre um amor proibido. O final ela ainda não sabia, entretanto, sua intuição era impecável: teria um desfecho trágico.
O sino da igreja tocou, estava na hora de voltar ao convento. Fechou o livro e levantou-se delicadamente do banco. Limpou a leve terra que cobria seu vestido, ajeitou os lindos cabelos negros e começou a caminhar jardim acima.
Toda a sua infeliz vida se resumia a isso: oração, leitura, mais reza e cama. Estava no auge de sua beleza, no auge de sua juventude, e teria que se guardar para um nobre – ou quem sabe um príncipe. Esse era o objetivo deste convento.
A igreja escolhia as mais belas para morar lá, criavam verdadeiras damas. Entretanto, quase todas possuíam uma origem pobre, e Aline lembrava-se muito bem de sua família. A saudade era intensa e verdadeira, mas não havia nada o que fazer, eles estavam mortos, vítimas de uma guerra fútil.
Um vento forte foi envolvendo o jardim aos poucos. Quando alcançou a moça, lançou seu vestido no ar.
— Ah! Meu bom Senhor... – exclamou Aline, tentando baixar o vestido em vão.
As rosas balbuciaram, sussurraram, riram. Eram palavras indistinguíveis, porém, possuíam um tom gentil.
— O que é isto? – disse a garota, surpresa e curiosa.
Tocou em uma das rosas, que se retraiu rapidamente, escondendo-se atrás das folhagens.
— Meu Deus... Parece viva!
— E de certo é, senhorita.
Aline levantou sua cabeça. Diante dela se encontrava um estranho homem, vestido de uma capa negra, que escondia suas roupas. Retirou o enorme chapéu que usava e disse:
— Não tenha medo, não irei te fazer mal.
Seus olhos eram esbugalhados, e sua cor do mais puro verde. Seu sorriso cativante e sua fisionomia elegante conquistaram a bela jovem.
— Não tenho medo – disse por fim. – Apenas curiosidade. O que faz aqui?
— Eu moro aqui. Há muito tempo, se me permite comentar.
— No convento? Eu nunca te vi por aqui...
— Não, não. Aqui, neste maravilhoso mundo. Sou o dono disto tudo – falou erguendo os braços, indicando todo o jardim.
— Não seja tolo! Como pode mandar aqui? Este jardim é propriedade da igreja.
— É isso que você pensa – disse ele rindo.
Aline sentiu um leve calafrio subindo pela espinha ao encarar aquele gigante. Desviou o olhar para as flores e passou a observá-las. Eram belas e exuberantes, de cor vívida.
— Lindas, não concorda?
— Sim...
Aline alisou uma, que retribuiu seu gesto. Entretanto, um movimento brusco da rosa fez-lhe uma ferida na mão, devido às suas espinhas.
— Ai... – sussurrou.
O misterioso homem se aproximou e pegou gentilmente a mão de Aline.
— Você gostaria que a dor fosse embora?
— Sim...
Abriu um largo sorriso e retirou do bolso um pó. Era cor de rosa e brilhava muito. Aline ficou impressionada com a beleza daquele remédio.
— A dor logo vai embora... não se preocupe... será rápido.
— Tudo bem – respondeu Aline ingenuamente.
Jogou aquela poeira brilhante em sua ferida e deu um beijo na testa da doce menina. O machucado começou a se fechar, deixando somente uma leve cicatriz.
— Como você fez isso?
— Mágica.
— Sério? Eu pensava que isso existia somente nos livros... nas ficções...
— Não, senhorita. Muito pelo contrário, foi a mágica que construiu essas histórias.
— Nossa...
O sino badalou novamente. Era a última chamada.
— Eu tenho que ir... – falou Aline, passando pelo homem.
— Espera! – exclamou o homem enquanto agarrava seu fino braço. – Espera... Eu tenho um presente para você.
— E o que seria?
— Este perfume.
Retirou um frasquinho vermelho por detrás da capa.
— Vá... experimente.
Aline pegou o frasco e o examinou. Era de uma estrutura elegante, quase luxuosa. Um líquido azul brilhava em seu interior, causando sensações maravilhosas na garota.
— Experimente.
Desatarraxou a tampa e sentiu a fragrância que escapou do vidrinho.
— Meu Deus... Que maravilhoso...
O homem não desviava o olhar, parecia ansioso. Mas Aline não notou isso e derramou um pouco do líquido em si. Dezenas de sentimentos preencheram sua mente, parecia estar sonhando, voando por entre as nuvens.
— Que fragrância estonteante. Qual o seu nome?
— Rosas Também Choram – falou abrindo um largo sorriso.
— Que nome... estranho... e... antiquado...
Aline começou a ficar tonta, cambaleou para o lado e iria cair ao chão se o misterioso homem não a segurasse.
— O... que está... acontecendo...?
A menina não conseguia falar direito, sentia-se fraca.
— Não vai demorar... A dor logo passará.
— Como assim...?
Havia algo se mexendo dentro do corpo de Aline. Sentiu uma dor enorme no braço. Passou a mão no local e sentiu alguma coisa.
— Meu Deus... O que é... isso?
Algo furou sua pele e saiu ao crepúsculo. Era o caule de uma rosa, coberta de espinhos.
— Ah! – gritou a pobre garota.
— Calma... calma... – sussurrou o cruel homem.
Aline sentiu várias perfurações pelo corpo e quando se deu conta, estava coberta de rosas. O sangue era absorvido pelos caules, evitando assim que o chão ficasse manchado. Olhou suplicantemente para seu torturador, que apenas disse:
— Está quase no final. Aguente mais um pouco.
As rosas começaram a rodear o delicado corpo de Aline. O sangue descia e sumia lentamente pelos talos espinhosos. Duas grandes rosas saíram de seus olhos, destruindo-os. Logo em seguida, pelas outras cavidades.
O homem deitou-a no chão e ficou a observando por um tempo. A dor começou a sumir, porém, ela estava paralisada, não conseguia mover-se.
— Sabia que as mais belas rosas são produzidas a partir de lindas garotas, é claro, de alma pura... assim como você...
Aline tentou falar, entretanto, não conseguiu.
— Não se preocupe, logo você se acostumará a isso. Apesar de todo esse sofrimento tenho uma notícia boa para contar-lhe: você viverá para sempre.
Agachou-se e agarrou a enorme roseira. Colocou-a em um grande vaso e ajeitou-a em um canto.
— Depois de um tempo, você conseguirá produzir alguns sons. Não será capaz de pronunciar palavras, no entanto, poderá transmitir sensações e sentimentos. Por enquanto te deixarei neste canto, até acostumar-se com essa nova ideia. Sabe, aqui todas elas choram, mas logo entenderão a essência de ser uma rosa. São belas e perfeitas, simples assim. Espero que você se acostume logo... você é especialmente magnífica. Assim poderei deixar-te a mostra.
O homem virou-se e sumiu jardim adentro, deixando Aline sozinha, a chorar junto com suas novas amigas.
- Fim -
Fabio D'Oliveira