A Praça das Tulipas

A Praça das Tulipas

O festival havia começado. O formato de anel era a maior característica daquela praça. Toda sua circunferência era enfeitada por diversos canteiros de tulipas, suas formas e tamanhos eram das mais variadas. O céu noturno parecia estar de bom humor, centenas de estrelas estavam presentes e a lua brilhava fortemente.

            Raphael estava sentando num pequeno banco. Olhava constantemente para o centro da praça. Um grande palco estava lá, pronto para o evento da noite. Suas mãos tremiam. A vontade de chorar era constante. As pessoas estavam começando a chegar.

            — Olha! Que lindo!

            — Como eu esperava.

            — Tudo do bom e do melhor para nós!

            — Eu estava esperando isto o ano inteiro.

            Comentários alegres rodeavam a atmosfera do local. As lanchonetes estavam abertas. As atendentes das lojas de bijuterias sorriam. As barraquinhas de doces começaram a serem erguidas pelos andarilhos. A cada dois minutos, um grupo de pessoas chegava à praça.

            Raphael compreendia a felicidade deles, também já foi assim. Aquele festival era a coisa mais excitante e aguardada pelo povo daquela vila. O rapaz se lembrava da contagem regressiva que fazia com os seus amigos, recordava a agonia da espera. No entanto, ele havia mudado.

            A música começou a tocar. Os jovens foram para o centro da praça e se juntaram ao redor do palco. A dança sincronizada e charmosa encantava o público. Raphael ouvia os comentários das pessoas:

            — Lembro-me de quando era jovem. Conheci meu marido neste festival.

            — Oh, como eu queria estar nesta idade dourada novamente.

            — A dança do amadurecimento! Maravilha!

            — Mamãe, quando eu poderei dançar?

            Os rapazes abraçavam as garotas. Aqueles que eram rejeitados saíam à procura de outra pretendente. As mulheres sempre tiverem este poder de sedução, podiam escolher o seu parceiro. Raphael costumava vê-las como deusas, rainhas. Porém, agora pensava diferente.

            A dança acabou e os casais de dispersaram. Os que ficaram sozinhos voltaram para a multidão, enquanto o amor envolvia o outro extremo da praça. O rapaz pôde ouvir os desabafos dos rejeitados, a fraqueza masculina ali era evidente.

            Logo o clima triste sumiu e alguns músicos apareceram na multidão. A dança desenfreada e confusa começou. Todos seguiam o conselho do ancião da vila: “dancem como se não houvesse ninguém ao seu lado”. Alguns se mostravam tímidos, outros esbanjavam sensualidade.

            Raphael sentiu a brisa noturna acariciar a sua face. O cheiro das tulipas se destacava, mesmo no meio daquela multidão suada. Ninguém lhe dava a atenção. E ele gostava daquilo. Aprendeu que a solidão podia ser a sua melhor amiga. Ela não o traia, não mentia para ele e estava sempre ao seu lado.

            Todo o povo estava lá. O festival possuía um caráter milenar, seria falta de respeito aos seus ancestrais não comparecer. Entretanto, este não era o motivo da presença daquele rapaz. Não temia os espíritos, estes estavam longe e vivendo uma nova existência. Por qual motivo se incomodariam com este insignificante povo?

            A música tomou um tom suave. A dança frenética acabou e a socialização começou. Palavras avulsas eram jogadas ao ar. Todos conversavam entre si, porém, falavam sobre coisas diferentes. Estavam felizes assim, viviam na benção da ignorância. Acreditavam em coisas surreais, conversavam sobre como os animais são espíritos rejeitados, filosofavam como o mundo seria consumido por um espirro do sol. O fim estava sempre próximo. A cada dois anos, surgia uma nova data para a destruição da humanidade.

            As horas foram se passando. O tempo, para o rapaz, era algo simplório. Muitos sábios tentaram intitulá-lo como algo complexo, impossível de ser entendido. No entanto, Raphael o via apenas como algo criado pelo ser humano. O que importava era o agora, o momento presente em que ele vivia. O tempo, de certa forma, era uma válvula de escape para muitas pessoas.

            — Vamos deixar tudo para depois.

            — O passado é o que conta! Sem ele, não temos identidade!

            — Amanhã eu tomarei esta decisão. Por hoje, festejarei.

            — A vida é baseada em nossos planos futuros. E inspirada em nossos feitos do passado. O presente não é tão importante!

            Comentários como esses alcançavam os ouvidos do rapaz. O cansaço começou a abater o povo. Todos olhavam ansiosos para uma grande construção que ficava na calçada da praça. A igreja de todos os deuses. O sino badalou três vezes. A população gritou palavras de alegrias. Mãos foram erguidas ao céu estrelado.

            Raphael sentiu um frio terrível subir a sua espinha. As portas da igreja se abriram e, de dentro dela, saiu uma grande carruagem alva, sendo seguida por várias pequenas. O povo bradou. O rapaz engoliu em seco o seu choro. Levantou-se e subiu no banco. Sobre o elegante comboio, Raphael a viu.

            — Ah, a deusa deste ano!

            — Todo o amor dos deuses está depositado nela.

            — E que o fogo a liberte!

            — Amanhã acordarei mais feliz.

            — A felicidade que ela deve estar sentindo esbanja em nós. Eu posso sentir isso!

            Sua aparência graciosa continuava intacta. Seus cabelos dourados brilhavam ao luar. Seus olhos de esmeralda lacrimejavam, não de tristeza, mas sim de alegria. Raphael não compreendia o sorriso no rosto daquela bela garota. Por que ela estava feliz?

            — Por quê? Por que, Susana? – sussurrou o pobre rapaz.

            Os gritos continuavam.

            — A hora é essa. A hora é essa.

            — Este será um ano bondoso, oh, deuses poderosos.

            — A maior de nossas conquistas é essa!

            A garota procurava algo. Olhava, disfarçadamente, para todos da multidão. Não tardou e ela identificou o seu amigo, estendeu o seu sorriso e seus olhos brilharam. Raphael a encarou. A carruagem alcançou o centro da praça. A multidão abriu espaço e Susana desceu direto no palco.

            O coração do rapaz doía, tentava escapar por sua garganta. O olhar demolidor da garota lhe envolvia. Raphael nunca teve a oportunidade de confessar seus sentimentos para ela, aliás, só havia descoberto sua real vontade após a seleção da deusa. Só ao vê-la, no altar da igreja, sendo acolhida pelo profeta, é que percebeu o que é o amor.

            A amizade é a essência de tudo. Como podemos viver com alguém que não nos entende? Ela o entendia. Ele a entendia. E por isso se amavam. Porém, um medo irracional os cegava, impedindo um dos romances mais bonitos que esta vila poderia presenciar.

            — Agora!

            — E os deuses a acolherão!

            O profeta subiu ao palco, um homem arrogante e poderoso. Ao seu lado, o ancião. Raphael lhe perguntou o porquê daquilo tudo. Não soube responder. Ninguém saberia responder aquilo. Era um costume secular, onde a prática já não precisava de motivos e inspirações.

            Susana teve seu corpo banhado por um estranho líquido azul. Todos berraram júbilos aos deuses. Raphael cerrou os pulsos. A tocha veio através de um homem. Este saiu da igreja e estava orgulhoso pelo importante papel que estava exercendo. A garota não desviava o olhar do rapaz.

            O ancião agarrou a tocha. Acariciou os cabelos de Susana, beijou sua testa e começou a rezar. Raphael sentia vontade de correr até lá e agarrar a sua amada, fugir para bem longe com ela. Mas sabia que isso era impossível. O povo não deixaria, o mataria antes de alcançar o palco. E a garota não aceitaria ir embora com ele, ela queria finalizar o seu destino.

            — Oh!

            — Deuses do infinito, abençoe esta vila.

            O ancião encostou o fogo no corpo da garota. Seus gritos alcançaram os ouvidos de Raphael.

            — Susana...

            Abaixou a cabeça e deixou as lágrimas deslizarem por sua face. Todos dançavam e festejavam, bebiam e comiam, beijavam e abraçavam. E ela sofria. Será que ele era o único que sentia isto? Esta ardência no peito? Nunca mais seria o mesmo, por isso decidiu que iria abandonar aquela vila.

            Olhou uma última vez para Susana. Seus olhos se encontraram pela última vez. Ela não estava arrependida, Raphael podia sentir isso. Sibilou as palavras que nunca foram proferidas. Ela entendeu e, com um grande esforço, sorriu. O rapaz estava perturbado. Desviou o olhar e desceu do banco. Era um covarde.

            Agarrou a sua bolsa e caminhou para longe. Aos poucos, o som alegre do festival sumiu. Atravessou as ruas escuras, observando as casas vazias. Raphael encontrou a saída da vila. O que encontraria adiante não fazia diferença, sair dali era o seu único pensamento. Atravessou o portal.

            Ouviu uma grande explosão. Olhou para trás e viu dezenas de balões ao ar. Quando chegavam num ponto, explodiam. Eram os fogos de artifícios: Susana estava morta e a orgia logo começaria. Virou-se e continuou a sua caminhada, ignorando as explosões que anunciavam a partida da deusa. Não sentiria mais nada após aquele dia, Raphael havia fechado a porta de suas emoções para aquele mundo de loucos.

 

- Fim -

Fabio D'Oliveira